Destino


Adelaide terminava de arrumar-se para seu casamento. Com a cabeça cheia de dúvidas e incertezas contemplava seu reflexo no espelho.

O noivo a aguardava com a felicidade estampada no rosto.

O padre fez a tão aguardada pergunta, se ela aceitava Daniel como seu legítimo esposo, Adelaide ficou calada e o padre repetiu. Olhou para Daniel e com o olhar de culpa pelo que iria fazer, saiu do altar indo até um dos convidados sentado no último banco, ela agarrou-o pela mão e saíram em disparada. Daniel tentou alcançá-los, mas foi em vão, entraram num carro que já os aguardava. Correu atrás do carro clamando por Adelaide, caiu de joelhos aos prantos.

Em casa Daniel sentou-se na cama colocando o rosto entre as mãos, chorando, amaldiçoou a noiva e o melhor amigo por ter fugido com a mulher de sua vida. Segurando uma navalha de cabo dourado e lâmina afiada num único golpe a enterrou em sua têmpora. Sentiu uma dor terrível invadir-lhe o corpo, deixando-se entregar aos braços da morte.

***

Muitos anos se passaram desde então, e a família Araújo acabava de se mudar da capital paulista para o interior. A família era composta por Adelaide; o melhor amigo de Daniel, Ângelo; e pela única filha Melissa, uma garota quieta e esquisita aos olhos dos outros. Melissa tinha o dom de ver e ouvir o invisível.

A cidade era pequena e foi ali que Adelaide e Ângelo nasceram. Melissa sentiu algo estranho; veio em Adelaide a terrível sensação de dezoito anos atrás.

_ Aqui estamos. Nossa nova casa. Nessa cidade sua mãe e eu nascemos. É muito bom voltar às raízes _ disse, abraçando a esposa que retribuiu com um sorriso.

_ Mora alguém aí? _ pergunta Melissa avistando um vulto numa das janelas.

_ Não, por quê?

_ Por nada.

Ângelo pegou a chave no bolso e abriu a larga porta de entrada.

Por fora a casa era grande, via-se que outrora pertencera a pessoas ricas. O tempo e a falta de cuidados haviam consumido suas paredes, por dentro algumas se encontravam com rachaduras e umidade, havia um forte cheiro de bolor impregnando os móveis cobertos por panos, o carpete e o piso empoeirado. Assim que puseram os pés dentro da casa taparam o nariz para não inalarem o forte odor causado pelo mofo e bolor.

No andar superior um longo corredor iluminado apenas pela claridade natural, era marcado por inúmeras portas que davam acesso e quartos e uma pequena biblioteca, Melissa escolheu uma porta qualquer e entrou. Sentiu que era observada, mas não deu importância. Daniel olhava da janela do quarto quando a família chegou. Alto e pele clara, vestia roupas e sapatos escuros. Olhar caído, semblante pesado, um corte profundo marcava-lhe a têmpora. Carregava consigo muita raiva da pessoa que pusera aquela marca em sua cabeça.

_ Ela será a pessoa perfeita é vulnerável, negativa _ disse olhando Melissa.

À noite Melissa sonhava com pessoas que não conhecia. Estava numa igreja.

“_ Aceita Daniel Bitencourt como seu legítimo esposo?

Sem responder ao padre e ao futuro marido, a jovem saiu da igreja acompanhada por outro homem.

Aos outros, Melissa era invisível. Da igreja foi transportada para um quarto. O noivo abandonado estava com uma navalha nas mãos e com um único golpe enfiou a navalha afiada na cabeça. A garota assistiu tudo sem demonstrar espanto, sentiu raiva ao ver a tristeza do rapaz, o locar foi escurecendo até o corpo de Daniel desaparecer por completo.

Em questão de segundos, Melissa estava num cemitério assistindo a um enterro regido por uma forte chuva e um vento congelante, um caixão branco descia por uma cova profunda enquanto pessoas de luto rezavam e choravam, porém Melissa não conseguia ver os rostos apenas via gotas de sangue manchando o caixão branco.”

Acordou sobressaltada. Abriu os olhos, mas não se moveu, via sombras correrem de um lado a outro do quarto, um frio tomou conta de si. Sentiu o peso de um corpo sentando-se aos pés da cama, levantou a cabeça e viu um homem sentado de costas para ela. A cena do suicídio veio-lhe à mente.

_ Quem é você? _ perguntou temerosa. Não houve resposta. _ Achei que não havia ninguém morando aqui.

_ O quarto e a casa são meus.

_ Saia imediatamente ou eu grito.

_ Ninguém irá ouvi-la.

Melissa gritou várias vezes, mas sua voz saía sufocada.

_ O que quer? Porque não se vira para eu ver o seu rosto?

Daniel virou, assustando a garota.

_ Você é um maldito louco.

Rindo, Daniel levantou-se e foi em direção a porta sumindo antes de chegar a ela. A menina gritou e esfregou os olhos achando que tudo não passara de um pesadelo.

No dia seguinte Melissa foi até a casa de uma prima. Conversa vai, conversa vem, decidiram fazer o jogo do copo, Melissa queria saber quem era o homem que invadira seu quarto no meio da noite. As duas rezaram e começaram Ajeitaram o copo virgem sobre uma cartolina branca com letras e números escritos sobre ela. Colocaram os dedos indicadores sobre o copo e a prima de Melissa fez a primeira pergunta.

_ Tem alguém presente neste momento?

O copo desloca-se até a palavra SIM.

_ Qual é o seu nome?

O copo voa e choca-se contra o espelho. O semblante de Melissa muda repentinamente, sua voz engrossa tornando-se voz de homem.

_ Meu nome não interessa.

_ O que quer com Melissa? _ indaga, com o coração aos pulos.

_ Vingança.

_ E por quê?

Daniel riu.

_ Ela sabe o porquê. Vou destruir o seu bem mais precioso.

Após dizer isso Melissa desmaiou, a prima foi acudi-la.

Após cheirar um chumaço de algodão embebido em álcool a jovem em fim despertou.

_ O que houve? _ pergunta ainda zonza.

_ Ele esteve aqui. Usou você para se comunicar. Perguntei o que queria e respondeu que você sabe.

***

As coisas mudaram para pior depois daquilo, Daniel estava mais forte perante Melissa. Na maioria das vezes quando discutia com a mãe falava coisas sem sentido, porém com tanta firmeza que parecia estar cem por cento certa do que dizia.

Na semana seguinte àquilo, Melissa ia tomar banho quando os pais entraram no quarto decididos a ter uma conversa séria e decisiva com a filha.

_ Queremos conversar com você, sobre sua má conduta com seu pai e eu.

_ Não to a fim de conversar.

_ Mas vai. Volte já aqui e sente-se _ disse Ângelo, nervoso.

Melissa voltou de cara amarrada e jogou-se na cama.

_ Tem que aprender a nos respeitar, a deixar de ser tão agressiva _ disse Ângelo.

_ Não sei do que estão falando.

_ Ah! Não! A senhorita é grosseira e mal-educada. Não a criamos assim. Gastamos muito dinheiro com a sua educação, te matriculamos nos melhores colégios e não foi para transformá-la numa marginal.

_ Já acabou? _ remedou com desdém.

_ Seu pai e eu sofremos muito com o seu jeito de ser.

As feições de Melissa mudaram novamente, começou então a rir do que Adelaide falara.

_ Posso saber do que está rindo?

_ Vocês não sabem o que é sofrer. Não sabem o que é viver com a raiva e a amargura corroendo a alma _ falou olhando-a firme nos olhos.

Desviou o olhar de repente, e colocando uma das mãos sobre a cabeça soltou um breve gemido de dor.

_ É melhor mesmo ir tomar banho, de preferência frio para limpar a mente dessas besteiras.

Melissa não conseguia explicar o que aconteceu.

Naquela mesma noite acordou e foi até o quarto dos pais. Abriu a porta devagar e parou em frente à cama do casal, com as mãos postas para trás.

_ Boa noite! _ disse.

Os dois acordaram e surpreenderam-se ao ver a filha ali parada.

_ Melissa? O que faz aqui? _ pergunta Adelaide, olhando para o relógio.

_ Vim mostrar-lhes o futuro, baseado no passado _ desse começando a engrossar a voz.

_ Do que está falando? _ pergunta Ângelo, sonolento.

Melissa transformou sua voz na de Daniel, exatamente igual, despertando em Adelaide um sentimento já extinguido pelo próprio tempo.

_ De um amor traído. Você me abandonou naquele altar e tirou de mim a minha única alegria, e hoje tiro de vocês a sua única alegria.

_ Daniel... _ sussurrou Adelaide.

_ Eu mesmo. Agora diga adeus à sua filha, pois temos que partir.

_ Não!

_ Adeus... Mamãe _ dizia rindo.

Impulsionada por Daniel, Melissa tirou de trás de si uma navalha de cabo dourado e lâmina afiada e enterrou-a na têmpora. O corpo de Melissa caiu sobre o assoalho de madeira, fazendo um estrondo terrível.

Seus pais não puderam deixar de conter um grito de dor e horror.

***

O corpo de Melissa foi enterrado num caixão branco embaixo de uma tarde tempestuosa e fria. Melissa assistia ao pr óprio enterro ao lado de Daniel.


02/09/1010

Gisele G. Garcia


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